quinta-feira, 2 de abril de 2009

CASTRO, Hiléia Araújo de. Caboclo Bernardo na História do Espírito Santo: a superação de um mito. Vitória, ES: ed. da Secretaria Estadual de Cultura, 2000. 126p.


Baseada em documentos do governo provincial, em fontes historiográficas e antropológicas, a historiadora Hiléia Araújo de Castro pretendeu neste livro mapear os aspectos e as confluências históricas e sociais que criaram um contexto propício para a construção mítica que fez de Bernardo José dos Santos o herói Caboclo Bernardo. Encontrar por traz do mito o homem e a história.

A obra está dividida em quatro capítulos. O primeiro capítulo procurou descrever o ambiente da colonização e a relação estabelecida entre os índios e os colonizadores, demonstrando o contexto empobrecido e marginalizado de onde provinha Bernardo; o segundo capítulo pretendeu reconstruir o naufrágio no contexto da formação da marinha de guerra imperial e as implicações judiciais do acidente; o terceiro descreveu o estranhamento por qual passou Bernardo durante sua viajem à corte como um retrato do choque entre a cultura local e a Imperial, além da projeção que tomou a província do Espírito Santo no cenário nacional devido o feito heróico; e no último capítulo, “A Superação do Mito”, a autora analisou a construção mítica do herói dividindo-a em dois momentos: o do contexto do naufrágio e das notícias amplamente divulgadas pelos periódicos em um período romântico tardio, propício a exaltação da imagem do nativo e ao ocultamento, neste contexto, dos problemas de âmbito social, econômico e político que atravessava a região. E no segundo momento, analisou os relatos biográficos sobre o Bernardo produzidos nas décadas de 1930 e 1940, que teriam fechado o ciclo de construção da imagem do herói.

Neste sentido, teria o ocultamento do homem e a construção mítica do herói atendido duplamente a necessidades específicas do contexto social gerido por uma elite: por um lado, ocultando os latifúndios cacaueiros, a extração de madeiras, as lutas sangrentas entre os indígenas e os colonizadores e o alcoolismo, fatores que dissolviam o amalgama social dos povos indígenas (Castro, 2000: 86), por outro, a exaltação de Caboclo Bernardo, como um modelo de brasilidade, viria contribuir, também às classes dominantes, para a constituição de um ponto de convergência identitária dentro da diversidade cultural brasileira em prol de uma unidade nacional (Castro, 2000: 93).

Religião E Etnicidade: O Herói Caboclo Bernardo E A Construção Da Identidade Étnica Na Vila de Regência Augusta - ES diferencia-se desta investigação porque não privilegia a versão oficial, a cívica, constituída a partir da tradição escrita e distante de sua gênese local, o que não significa que não esteja em diálogo com esta perspectiva. Reconhecemos que apesar de estarem vinculadas aos círculos literários e políticos, surgiram em perspectivas étnicas distintas outras versões sobre o herói, e de alguma forma autônomas em sua dinâmica narrativa e ritual. Estas que nossa investigação privilegia especialmente a versão do herói que emerge na Vila de Regência e que ao longo do tempo vai sendo revestida de atribuições religiosas.

REIS, Regina Lúcia Paiva Rabello. Caboclo Bernardo: História e Cultura na Barra do Rio Doce. Linhares: ed. Unilinhares, 2003. p.

BAHIENSE, Nobertino. Caboclo Bernardo: o naufrágio do Imperial Marinheiro e outros – Rio Doce. Rio de Janeiro: Gráfica O Cruzeiro, 1971.

Embalado tardiamente pela preocupação dos intelectuais ligados ao Estado Nacional, a de implementar uma noção de identidade nacional que criasse uma certa coesão entre os vários “países” que compunham o território brasileiro, Nobertino Baiense publica a referida obra tratando o “mestiço” Bernardo como um paradigma do que deveria ser o brasileiro. Esta mentalidade era compartilhada pelas principais autoridades do Estado, principalmente pelos militares, é o que denuncia os pronunciamentos sobre a primeira edição (1948) publicados na segunda edição da obra (1971). Nobertino recebeu felicitações do então Ministro da Marinha, de Generais, Comandantes, além de importantes juristas, escritores e historiadores, que destacavam a importância da obra, pois tornava conhecido o feito heróico do caboclo Bernardo, ato que serviria para “incutir, no espírito dos jovens, sentimentos de brasilidade e grandeza de alma” (Bahiense, 1971: 13).

Neste sentido, a obra de Nobertino Bahiense inaugura um segundo momento de referências solenes, por parte dos letrados da época, que contribuiriam, de alguma forma, para a atual configuração do fenômeno.


Sua investigação histórica pautada em documentos oficiais e em testemunhas oculares pretende aproximar-se da “égide do que é verdadeiro e tenha cunho de autenticidade” (Bahiense, 1971: 27), uma filosofia positiva da história.


A importância desta obra reside não só em seu valor histórico, mas por ter subsidiado, como fonte primária, a reflexão das duas outras obras referidas: “Caboclo Bernardo: História e Cultura na Barra do Rio Doce”, da professora Regina Rabello e “Caboclo Bernardo na História do Espírito Santo: a superação de um mito”, da historiadora Hiléia de Castro.


Religião E Etnicidade: O Herói Caboclo Bernardo E A Construção Da Identidade Étnica Na Vila de Regência Augusta - ES diferencia-se desta quando procura mapear e analisar a construção de uma identidade emergente, dinâmica, autônoma e plural, partindo do ponto de vista daqueles que a constroem e a compõe.



“Assim Caminha Regência”. Documentário 55’ (2005), dirigido por Ricardo Salles Sá. DOC-TV II – Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro. TV Cultura, Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura e a Associação Brasileira de Emissores Públicas, Educativas e Culturais.